08//11/2013 com Leonardo Boff - extraido de :
https://leonardoboff.wordpress.com/2013/11/08/teologia-f-eita-por-mulheres-a-partir-da-feminilidade/
O Papa Francisco tem dito que precisamos de uma teologia mais profunda a cerca da mulher e de sua missão no mundo e na Igreja.
É certo, mas ele não pode desconhecer que hoje existe vasta literatura teológica feita por mulheres na perspectiva das mulheres, da melhor qualidade, o que tem enriquecido enormemente nossa experiência de Deus.
Eu mesmo tenho me dedicado intensamente ao tema, culminando com os livros "O rosto materno de Deus" (1980) e "Feminino-Masculino" (2010) junto com a feminista Rosemarie Muraro.
Entre tantas do presente, resolvi referir duas grandes teólogas do passado, verdadeiramente inovadoras: Santa Hildegard de Bingen (1098-1179) e de Juliana de Norwich (1342-1416).
Hildegarda vem considerada quiçá como a primeira feminista dentro da Igreja. Foi uma mulher genial e extraordinária para o seu tempo e para todos os tempos.
Monja beneditina, exerceu a função de mestra (abadessa) de seu Convento de Rupertsberg de Bingen no Reno, profetisa (profetessa germânica), mística, teóloga, inflamada pregadora, compositora, poetisa, naturalista, médica informal e escritora.
Seus biógrafos e estudiosos consideram um mistério o fato desta mulher, no estreito e machista mundo medieval, ter sido o que foi.
Em tudo revelou excelência e criatividades.
Muitas são suas obras, místicas, poéticas, sobre a ciência natural e sobre música.
A mais importante e lida até hoje é Sci.Vias Domini ( Saiba os caminhos do Senhor)
Hildegard foi acima de tudo uma mulher dotada de visões divinas. Num relato auto-biográfico, diz:
"Quando tinha quarenta e dois anos e sete meses, os céus se abriram e uma luz ofuscante de excepcional fulgor fluiu para dentro de meu cérebro. E então ela incendiou o meu coração e peito como uma chama, não queimando, mas aquecendo... e subitamente entendi o significado das exposições dos livros, ou seja, dos Salmos, dos Evangelhos e dos outros livros católicos do Velho e Novo Testamentos." (veja o texto na Wikipédia, Hildegarda de Bingen com excelente texto e literatura).
É um mistério como tinha conhecimentos de cosmologia, de plantas medicinais, da física dos corpos e da história da humanidade.
A teólogia fala da "ciência infusa" como um dom do Espírito Santo. Hildegarad foi galardoada com esse dom.
Ela desenvolveu uma visão curiosamente holística, entrelaçando sempre o ser humano com a natureza e com o cosmos.
É nesse contexto que fala do Espírito Santo como aquela energia que confere a "viriditas" à todas as coisas.
"Viriditas" provém do verde; significa o verdor e o frescor que marca todas as coisas penetradas pelo Espírito Santo.
(Flanagan, S. Hildegard of Bingen - 1998,53).
Ela desenvolveu uma imagem humanizadora de Deus pois Ele rege o Universo "com poder e suavidade" (mit Macht und Milde) acompanhando todos os seres com sua mão cuidadosa e seu olhar amoroso.
Ela ficou especialmente conhecida pelos métodos medicinais seguidos na Áustria e Alemanha por médicos até os dias de hoje.
Revela um conhecimento surpreendente do corpo humano e de quais princípios ativos das ervas medicinais são apropriados para os distintos distúrbios...
Sua canonização foi ratificada por Bento XVI em 2012.
Outra notável mulher foi Juliana de Norwich (1342-1416) da Inglaterra. Pouco se sabe sobre sua vida, se era religiosa ou uma leiga viúva.
O certo é que viveu todo o tempo reclusa, numa parte murada da Igreja de São Julião.
Ao completar 30 anos teve uma grande enfermidade que quase a levou à morte.
Num dado momento, durante cinco horas, teve vinte visões de Jesus Cristo. Escreveu imediatamente um resumo de suas visões.
Vinte anos após, tendo refletido longamente sobre o seu significado, escreveu uma versão longa e definitiva sob o título Revelations of Divine Love (Revelações sobre o Amor Divino: Londres 1952). É o primeiro texto escrito por uma mulher em inglês.
Suas revelações são surpreendentes, pois vem perpassadas de um inarredável otimismo, nascido do amor de Deus. Para ela, o amor é sobretudo alegria e compaixão. Não entende as doenças como era crença popular na época e ainda hoje em alguns grupos, como castigos de Deus.
Para ela, as doenças e pestes são oportunidades para encontrar Deus.
O pecado é visto como uma espécie de pedagogia pela qual Deus nos obriga a conhecermo-nos à nós mesmos e a buscarmos sua misericórdia.
Diz mais: atrás daquilo que falamos de inferno existe uma realidade maior, sempre vitoriosa que é o amor e a misericórdia de Deus.
Pelo fato de Jesus ser misericordioso e compassivo, ela é nossa querida Mãe. Deus mesmo é Pai misericordioso e Mãe de infinita bondade. (Revelações, 119)
Somente uma mulher poderia usar esta linguagem de amorosidade e compaixão e chamar a Deus de Mãe de infinita bondade.
Assim vemos mais uma vez como a voz feminina é importante para termos uma concepção não patriarcal e por isso mais completa de Deus e do Espírito Santo que perpassa toda a vida e o universo.
*~;.;~*~;.;~´´´~;*~*~~;.;´*
Muitas outras mulheres poderiam aqui ser referidas, como Santa Teresa d'Avila (1515-1582); Simone Weil (1909-1943); Madaleine Debrêl (1904-1964) e entre nós Ivone Gebara e Maria Clara Bingemer que pensaram e pensam a fé a partir de seu ser feminino. E continuam nos enriquecendo.
*~;.;~*~;.~*
Leonardo Boff escreveu com Rosemeire Muraro o livro "Feminino-Masculino" : "Uma nova consciência para o encontro das diferenças, Sextante 2002.
Com muito Amor posto essa Mensagem de Leonardo Boff.
mlbäurich
Nenhum comentário:
Postar um comentário